Filhos da Sagrada Família - Vocações Manyanet
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Por: Postulante José Ricardo Guimarães Dantas,     15/01/2023 |  20:35:53
A liberdade nos escritos do Padre Michel Quoist

A liberdade é um tema de grande pertinência nas reflexões do homem, sobretudo nas reflexões de caráter filosófico. No decorrer da história da humanidade, muito se foi dito sobre a liberdade. Por vezes, ao pensarmos na palavra “liberdade”, logo nos vem à mente imagens de algo material que não está preso ou até mesmo que pode ser dito verbalmente, sem preocupar-se em ser censurado, enfim, há muitos modos de se pensar sobre a liberdade, mas o que buscamos neste artigo não é dar uma resposta definitiva sobre o conceito e a ação definida deste termo, pois, tratando-se de filosofia, nosso objetivo não é aplicar uma resposta universal.

Podemos analisar inicialmente o termo “liberdade” do ponto de vista do sujeito e do objeto. Em vista do sujeito, trata-se de uma experiência que não se pode reduzir à representação. Neste sentido, ela tem sido entendida como possibilidade de autodeterminação e de escolha, ato espontâneo de voluntariedade, sem influência exterior, etecétera. Tendo em vista o lado do objeto, temos a liberdade privada ou pessoal, como também a liberdade política, moral, social, pública, liberdade de ação, de ideias, de pensamento, de palavra, de culto, de associação, entre outras ligadas à liberdade tendo em vista o objeto. Desta maneira intitulada, a liberdade acaba por se atrelar com os conceitos de livre-arbítrio, razão, ato, autonomia, vontade, consciência moral, dever, determinação, indiferença, etc. Nota-se, com o passar do tempo, um certo desgaste, uma deturpação, no que diz respeito a palavra e ao sentido de liberdade. 

Neste artigo, nossa intenção foi analisar e descrever este conceito a partir dos escritos do padre francês, Michel Quoist (1921-1997). Não sendo este autor parte da bibliografia filosófica, mas escrevendo obras de cunho mais teológico, principalmente voltadas à espiritualidade, este precisaremos fazer uma leitura nas “entre-linhas” dos seus escritos.

Michel Quoist apresenta a última obra da sua vida com o título Construir o homem e o mundo (1997), e afirma que, se o homem não for reconstruído, segundo uma escala de valores na qual o espírito esteja sobre a matéria, não será possível reconstruir este mundo. Busca alertar aos homens que nossa civilização está em perigo, pois o verme que a corrói está em seu interior, e se fortifica de maneira rigorosa e implacável, alimentado pelas facilidades do mundo moderno que oferecem ao corpo as delícias e ao espírito o orgulho do poder.  Para o padre Quoist "o homem está em perigo" porque deixou que a matéria sufocasse o seu espírito, passando a caminhar "de cabeça para baixo". Pretende dirigir o universo e não sabe dirigir a si mesmo. Domestica a matéria, mas, a matéria aperfeiçoada volta-se contra ele. E eis que ele se torna seu escravo, e é o espírito que agora agoniza e que sem a primazia do espírito não haverá mais homem, quanto menos liberdade. 

Analisando o homem por meio da antropologia filosófica, observamos que desde a sua origem ele tem a liberdade para escolher o que deseja fazer com sua vida e, de certa forma, pode escolher envolver-se ou não, na vida de outra pessoa. Todavia, independente da forma que faça uso dessa liberdade, necessita estar ciente das consequências, pelo simples fato de que toda ação, resulta numa reação. Mas, afinal, ele é de fato livre?

Desde já, podemos afirmar que toda escolha é um ato voluntário de natureza racional, porque está baseado num “desejo deliberado”. Sem o suposto da racionalidade não se pode falar sequer de vontade e de liberdade, mas somente de impulso ou apetite animal e de espontaneidade intrinsecamente decorrente de uma natureza. O homem está em projeto contínuo de construção e, fazendo uso da liberdade para o bem comum, sua estruturação de vida auxilia na construção de si e da sociedade. 

O autor escolhido (Michel Quoist), notou em seus estudos, que para o homem ser livre necessita essencialmente de duas coisas importantes: desapegar-se e unir-se. Primeiramente o homem deve desapega-se de si, de suas dependências e comodidades. Desapegar-se de bens materiais e apegar-se Àquele que o criou, porém, sem deixar de amar e respeitar os que estão a sua volta. A segunda, após este desapego das coisas materiais, o indivíduo necessitará estar unido ao Supremo Bem. Àquele que nunca passa. Porque a liberdade do homem é finita e nunca poderá alcançar sua plenitude senão no sobrenatural. E sendo Deus integralmente livre, o homem torna-se gradualmente livre, na medida em que se aproxima deste Ser. Quoist acredita tanto na força da liberdade humana que não descarta, em hipótese alguma, que ela faz parte do processo de construção do homem e do mundo.

Concluímos, portanto, que neste quesito, Michel Quoist ainda afirma que o homem bem construído, o é em três planos: o físico (carne), o sensível (psíquico) e o espiritual. Esta tríade se interpenetra, comunicam-se entre si, reagem um sobre os outros, mas sua hierarquia necessita ser respeitada, ou seja, o físico é o último, o menos nobre, e o espiritual vem em primeiro lugar, estando acima de todos, e é o mais belo. Segundo o escritor, se a ordem dos valores não for conservada, a construção é mal feita, e o homem se desagrega, como se ele andasse de cabeça para baixo. Andamos desta forma quando o físico, assume o comando. Se o físico está no comando, e se o homem lhe obedece, este peso esmagará todo o resto. Desta forma, já não é mais livre, mas um escravo dos seus apetites carnais.


REFERÊNCIAS
LOGOS, Enciclopédia luso-brasileira de filosofia. Lisboa: Verbo, 1992.
QUOIST, M. Construir o Homem e o Mundo. 3. ed. Lorena: Cléofas, 2014
 

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